Independentemente dos desdobramentos políticos e sociais que venham a decorrer da manifestação de ontem, o dia já irá figurar nos livros de História como a maior mobilização popular brasileira desde a campanha pelas “Diretas, já”.
Estima-se quase 2 milhões de pessoas reunidas em todas as capitais do país e em quase 160 cidades brasileiras.
O brasileiro, conhecido como um povo passivo e, digamos assim, com pequena participação política e cívica - se comparado com outras grandes nações do mundo - resolveu ir às ruas e protestar contra o atual governo que vem afundando o país em termos econômicos e sociais, e também, principalmente, dilapidando todas as bases institucionais construídas as duras penas nos últimos trinta anos.
Tratou-se de um grito de basta, de desespero, de revolta, ou tudo isso, ao achincalhamento moral que se tornou a vida pública brasileira.
Tive a honra de participar, em Brasília, desse protesto que reuniu enorme multidão na Espanada dos Ministérios. O clima foi extremamente cordial e me emocionei por diversas vezes com o que vivi no dia 15.
A Polícia Militar estimou 45.000 e a organização 100.000, mas pelo que vi - e baseando-se na experiência que tenho na área de eventos - posso afirmar, com tranquilidade, que eram por volta de 90.000 a 100.000 pessoas.
O grupo era bastante heterogêneo e composto por pessoas de todas as idades. Vi muitos jovens, adultos e pude presenciar, de maneira tocante, vários idosos e crianças envolvidos emocionalmente com o ato. Família inteiras chegavam juntas; se aproximavam, de forma fortuita, cumprimentavam-se e logo estavam conversando sobre aquilo que as unia: a repulsa pela atual situação do país.
Várias palavras de ordem foram gritadas e reinvindicações de todos os tipos foram lidas nos cartazes, mas a imensa maioria protestava contra o atual governo, pedindo a renúncia ou o impeachment da presidente da república.
Os trios elétricos orientavam as pessoas a não caírem em provocações de infiltrados e a não sujarem as ruas. Se via, assim, além do clima de harmonia, padrões raros em atos públicos brasileiros como, por exemplo, pouco lixo no chão. As pessoas descartavam aquilo que era necessário sempre nas lixeiras ou próximo a elas (quando já estavam lotadas). Uma bela demonstração de civilidade e educação do povo presente.
Mas o que mais me marcou, além Hino Nacional cantado por todos como último ato, foi um fato inesperado. Assisti a um sargento da Polícia Militar, com cerca de 45 anos, chorando ao ser aplaudido pelas pessoas que passavam.
Sim, as pessoas aplaudiam os policiais militares na saída do protesto. Simplesmente os aplaudiam como forma de, talvez, mostrar que nem todo protesto precisa gerar confronto. Como forma de agradecê-los pela segurança proporcionada ou, ainda, como forma de retribui-los por sua contribuição ao evento que transcorreu sem violência.
A cena me marcou porque o que vi ali, por meio daquelas lágrimas, foi um ser humano ao invés de uma farda. Imaginei o quanto aquele policial já deve ter sido questionado pela sociedade que defende -- principalmente em virtude das políticas recentes de enfraquecimento e desmoralização da polícia --, o quanto ele já deve ter sido criticado por sua escolha profissional e imaginei até mesmo os momentos em que ele colocou em dúvida sua própria escolha.
Aquele homem, ali na minha frente, teve o seu dia de redenção.
E o que esperamos? Esperamos o dia em que todos, brasileiros do bem, tenhamos a redenção por esse movimento democrático, apartidário e popular. O dia em que, no futuro, sejamos aplaudidos pelas escolhas que estamos fazendo agora.