Vez ou outra surge uma palavra em nosso meio profissional que de tanto ser usada, adquire múltiplos significados e perde a força. Na década de 90, por exemplo, a palavra qualidade virou dogma para organizações e indivíduos (ainda hoje, aliás, há resquícios do seu mau uso). Ocorre que em certo ponto perceberam que qualidade para uma pessoa não é necessariamente qualidade para outra. Afinal, o que é qualidade?
O uso excessivo da palavra a torna polissêmica, ou seja, com muitos sentidos. Pois bem, nos dias de hoje as palavras da moda (e polissêmicas) são empreendedorismo (a buzzword do momento, que falarei em outro texto) e a palavra inovação. E sobre inovação, eu vou me ater ao seu uso na educação. Afinal, o que é inovação na educação?
Se eu quisesse despencar para o campo teórico, o texto precisaria de mais espaço (e tempo de sua atenção), sendo assim, irei me ater a uma provocação mais objetiva de como entendo inovação na educação.
Inovar é trazer novas soluções, melhores do que aquelas até então disponíveis, para os desafios de um determinado campo. Esse tipo de inovação é incremental, e se difere da disruptiva que tem por perfil romper paradigmas. Para a inovação ocorrer, o grupo de pessoas envolvidas deve valorizá-la, pois não há inovação sem a devida relevância para os impactados.
Na educação superior, a inovação incremental pode ocorrer em cinco dimensões:
A primeira e mais lembrada é a Metodologia. As metodologias são as estrelas que motivam e instigam professores na busca pelo desenho de uma aula ou um curso que seja atrativo aos estudantes e aderente ao conteúdo. Essas metalologias preferencialmente devem colocar o estudante no centro do processo, ativo, protagonista e oferecer aprendizagem mais personalizada para serem consideradas mais inovadoras, pois contrapõem um modelo mais tradicional, centrado no professor ou no conteúdo. Estamos no momento do whatever-based learning, onde problemas, projetos, fenômenos, experiências e times são as linhas que guiam a aprendizagem do aluno.
Quando desenvolvi a disciplina de Empreendedorismo Social no UDF, usei em especial a aprendizagem baseada em projetos e em serviços, onde os estudantes desenhavam uma proposta de solução para um problema social que atingia sua comunidade ou região. Nesse modelo, o estudante desenvolve as competências necessárias em um contexto pessoalmente relevante, interdisciplinar, colaborativo e com múltiplas fontes, perspectivas, interpretações e resultados.
A segunda dimensão, em ordem de fama, é o Ambiente, que chamarei de espaço de aprendizagem. Algumas metodologias não rodam em espaços tradicionais como uma sala de aula clássica ou auditório. Inovar no ambiente de aprendizagem diz respeito a criar um espaço apto para o uso de metodologias inovadoras, que estimule o desenvolvimento de competências socioemocionais ou que seja mais aderente aos objetivos de aprendizagem da aula. Normalmente esse espaço conquista; estudante e professor que usam um espaço de aprendizagem inovador dificilmente querem retornar a uma sala de aula tradicional (mesmo considerando que há casos em que ela é a mais indicada).
No UDF nós criamos o ConectaUDF, um espaço que além de sediar o Centro de Empreendedorismo e o Escritório de Extensão e Responsabilidade Social, serve como um laboratório de inovação acadêmica, pedagógica e como um espaço de aprendizagem para aulas, disciplinas e práticas que fujam do tradicional. Nesse espaço, a centralidade do docente dá lugar para um grupo de mesas adaptáveis para a formação de times e a consequente descentralização do processo, facilitando, entre outros aspectos, a instrução por pares. O suporte tecnológico é fator de melhoria do espaço, mas não é um critério obrigatório: há espaços de aprendizagem inovadores que usam pouca ou nenhuma tecnologia.
A dimensão três da inovação na educação se refere ao Currículo. Propostas curriculares inovadoras e relevantes para o atual momento exponencial, incerto, complexo, volátil e ambíguo devem partir de um princípio igual ou semelhante à Teoria T. A barra vertical ( | ) no T refere-se à profundidade das habilidades e competências que o estudante deve desenvolver, relacionadas a um único campo, enquanto que a barra horizontal (---) é a capacidade de navegar em disciplinas de outros campos e especialidades, desenvolvendo-se integralmente.
Trazendo um dos nosso exemplos também no UDF, trabalhamos com o fortalecimento de competências empreendedoras, em caráter transdisciplinar, dentro de todos os cursos de graduação. Tais competências, como por exemplo mobilização de recursos, negociação, iniciativa, trabalhar em equipe e lidar com risco, são essenciais em qualquer área da vida do homem moderno e ocupariam, comparativamente falando, uma parte da barra vertical do T no desenvolvimento de nossos estudantes.
A quarta dimensão, Gestão, não é menos desafiadora. A gestão se inicia em sala de aula, com o professor sendo capaz de planejar objetivos, recursos e métodos necessários, executar uma boa aula, obter o resultado esperado, avaliar (e ser avaliado) sobre o ciclo de ensino-aprendizagem. A corresponsabilização da comunidade acadêmica no desenho e na gestão (planejamento, execução e avaliação) do projeto político-pedagógico e no cotidiano do campus é fundamental.
No UDF temos muitos fóruns e oportunidades de envolvimento do corpo docente e discente nesse processo, além dos colegiados tradicionais. De forma regular na semana pedagógica, criamos as salas temáticas para que os docentes possam participar do processo de gestão em temas importantes para instituição. As salas temáticas produzem propostas que enriquecem e apoiam as decisões da direção da instituição. Há também o programa Embaixadores, onde discentes de cada um dos cursos de graduação, após selecionados, contribuem ativamente para a integração das diversas turmas, para a melhoria da comunicação interna e para o desenho de planos de evolução contínua dos cursos que pertencem.
A quinta dimensão, menos discutida, mas tão importante quando às demais é a Conexão e a Articulação da universidade com os demais setores da sociedade. As veias comunicacionais da universidade devem estar desobstruídas dentro do sistema em que ela é parte. O ensino superior deve estar inserido no entendimento e na construção de respostas aos problemas, aos desafios e às demandas de sua região. Deve estar conectado e em diálogo com o mercado, com o Estado e com a sociedade civil, atuando em rede e sendo mais um elo de conexão nesse sistema.
Mais uma vez exemplifico com o que realizamos no UDF, onde trazemos os três grupos atores para atuarem internamente em nosso campus (são alguns exemplos a Receita Federal, ONG Litro de Luz-DF, Secretaria de Educação do DF, Sebrae, etc.) e saímos de nosso campus para atuar no âmbito de cada um deles (Biotic, espaços de coworking e aceleração etc.). São centenas de convênios com empresas, órgãos distritais e federais e organizações não governamentais. Nessa relação, a realidade é levada aos estudantes e professores que conseguem aplicar e desenvolver competências e habilidades de forma contextualizada, real e oferecendo durante o processo de ensino-aprendizagem contribuição relevante para o desenvolvimento da região em que estamos inseridos.
Perceba que não mencionei a tecnologia como uma dimensão da inovação na educação. Isso se explica porque acredito que a tecnologia perpassa e potencializa transversalmente as cinco dimensões. Soluções de grandes players como o Google ou de pequenas Edtechs (startups de educação) oferecem softwares e hardwares que permitem, enriquecem e facilitam novas propostas educacionais nas cinco dimensões: metodologia, currículo, ambiente, gestão e conexão.
Por fim, você já percebeu, abordei a inovação na educação principalmente em uma perspectiva incremental. Sobre as inovações com potencial disruptivo, tais como aprendizagem adaptativa, colaboração global online, big data, aprendizagem imersiva com realidades mistas, influência da inteligência artificial e do blockchain -- para ficar em poucos exemplos -- tão importantes quanto as incrementais, falarei nos próximos textos.