Venho observando de forma atenta o impacto da pandemia no campo educacional e a reação dos atores diante do cenário de mudança e imprevisibilidade aguda.
A pandemia tem transformado nossos hábitos, comportamentos, relações e percepções e com isso criado novas formas organizacionais, novos processos de trabalho e, sem dúvida, novos modelos de ensino-aprendizagem.
Ao mesmo tempo, de uma forma geral, a educação é um campo avesso a mudanças e a experimentações. É claro que existem muitas iniciativas contrárias à regra, dentro e fora da educação formal. Mas o espírito maior, sempre me pareceu, é o de manter, conservar e continuar, sem monitorar e considerar de forma ativa os resultados.
Diante do cenário de (não) mudanças e transformações, muitos fenômenos tem capturado a minha atenção, dentre os quais quero falar sobre três:
Ensino presencial versus ensino online
Parece-me descabido que ainda exista a discussão sobre qual modelo seria melhor: se o ensino presencial ou o ensino online. Salvo em casos de exclusão tecnológica, fenômeno que precisamos nos preocupar enquanto nação, qualquer modelo educacional que busque excelência, em todos os níveis e em um cenário ideal, deve agregar elementos presenciais e online; síncronos e assíncronos; humanos e digitais etc. Isso não invalida programas totalmente online e nem programas totalmente presenciais, mas salvo um juízo imperfeito, a soma dos dois modelos é o que nos oferece o melhor deles na ampla maioria das situações.
E quando falamos de ensino online, não falamos de muito daquilo que se vê ofertado por aí. Como diria o Richard Vasconcelos "filmar o teatro não é cinema, assim como filmar aula não é educação a distância".
E se o ensino online deverá entrar na receita de qualquer programa educacional de qualidade, como garantir não só acesso e estabilidade no uso da internet, mas as competências digitais necessárias à população?
Demanda versus oferta. Preço versus valor
Outro fenômeno que surgiu na pandemia foi a oferta massificada de conteúdo gratuito de qualidade. Se você aproveitou o período de isolamento para aprender, eu tenho certeza que foi impossível comparecer a todos os cursos, lives, palestras e demais experiências que você queria e que estavam disponíveis gratuitamente. Muitas delas com razões solidárias, outras com propósitos comerciais (e não há problema nisso): o fato é que o valor e preço de experiências de aprendizagem, por si, foram e ainda estão sendo afetadas pelo fenômeno.
Se os adultos estão menos dispostos a pagar somente pelo conteúdo, o que eles querem pagar? Desconfio que pela aprendizagem relevante e autêntica. Relevante no sentido de contextualizada com suas expectativas e com as da sociedade, com seus sonhos e projetos e, em especial, com a realidade. Autêntica porque não cabe ao estudante mais só saber, eles querem, e passam a ter consciência disso, saber-fazer.
Até que ponto oferta e demanda se (des) alinham nesse cenário?
De forma imediata, tendências que víamos no horizonte foram aceleradas pela pandemia e agora são realidades, dentre as quais: a redução generalizada dos preços de programas de educação; a aceleração na adoção de novos métodos de ensino-aprendizagem; a descentralização dos "detentores do saber"; as micro-certificações; e por aí vai.
(In)capacidade de adaptação
Entre tantas lições que a pandemia nos trouxe, uma é que a incerteza é uma regra e de que devemos -- indivíduos, comunidades, organizações e nações -- lidar com ela para viver e sobreviver bem. Precisamos ter (ou buscar) resiliência: capacidade para lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar desafios e resistir à pressão de situações adversas.
Enquanto a pesquisa nas universidades públicas brasileiras deu um belo exemplo de resiliência durante a pandemia, o mesmo não podemos falar do ensino. Na ampla maioria delas, as aulas simplesmente pararam (com várias "razões" para não se adaptarem, claro). Durante 5 meses não houve sequer uma tentativa, um teste, um esforço, mesmo que imperfeito, no sentido de enfrentar uma situação excepcional de pandemia. E justo em um momento que o país mais precisou de pessoas e organizações resilientes e precisará de bons profissionais para reconstruí-lo no por vir...
Escolas públicas e, pasmem, privadas, também enfrentaram essa dificuldade e escancararam a fragilidade do sistema nesse sentido (ou o perfil conservador, como falei no início). Por outro lado, muitos casos de escolas (públicas e privadas) e instituições de ensino superior (privadas, confessionais e comunitárias) mostraram que há esperança. Houve ainda, cabe destacar, casos de professores que, com ou sem apoio institucional, se esforçaram e, resilientes, conseguiriam garantir a aprendizagem dos seus estudantes.
Três fenômenos relevantes, talvez polêmicos, no campo da educação que ensinaram a nós, brasileiros e profissionais da educação, que ainda temos muito o que aprender.
Gabriel Cardoso
Importante: este texto reflete a minha opinião pessoal e não representa, necessariamente, a posição e/ou a opinião das organizações que trabalho ou presto serviço.
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