
Como todo típico brasileiro, desde novo fui apaixonado por futebol.
Influenciado pelas escolhas de meus pais, tornei-me um torcedor fanático do Flamengo. Ainda no colo, meu pai me levou para conhecer o Zico. Já assisti a jogo em estádio, fui de torcida organizada e perdi as contas de quantas vezes me reuni com os amigos ou me coloquei sozinho frente à televisão para torcer pelo meu time . Se eu for somar quantas camisas oficiais do Flamengo e da seleção já tive (e quantas ainda tenho no fundo de uma gaveta), quantos souvenirs já comprei, e, portanto, quanto dinheiro e tempo gastei direta e indiretamente com o futebol brasileiro talvez eu me assustasse.
Contudo de uns anos para cá tal paixão sofreu um revés.
Tudo começou no final do campeonato brasileiro de 2013. Naquele ano houve uma enorme polêmica sobre o rebaixamento do Fluminense. No conhecido tapetão, os advogados do Fluminense reverteram o quadro e conseguiram rebaixar no lugar de seu time a Portuguesa em decorrência de uma escalação equivocada (veja AQUI).
Desde esse dia resolvi boicotar o campeonato brasileiro.
Tal situação ainda pioraria quando se tornou público que, na verdade, a Portuguesa havia “vendido” o rebaixamento, tendo recebido dinheiro para escalar equivocadamente o jogador que causou todo o imbróglio (veja AQUI).
Reafirmei minha posição e passei a boicotar todos os campeonatos nacionais.
E aí veio a Copa do Mundo no Brasil. Depois da sucessão de obras superfaturadas, atrasadas, malfeitas e após o enorme desperdício de oportunidade e dinheiro decorrente da má condução na realização do evento, assistimos atônitos o Brasil perder de 7 a 1.
Resolvi, desde então, boicotar não só os campeonatos nacionais, como também a seleção brasileira e tudo que envolvesse a CBF.
Fui levando o restante do ano de 2014 sem ter contato com futebol, mas pensando já na possibilidade de retomar meu papel de torcedor em 2015. Cheguei até a me revoltar com a recondução de Dunga ao cargo de treinador da seleção. No barbeiro eu falava: "Em 2015 voltamos a conversar sobre futebol".
Chegou dezembro e em um almoco com o amigo Paulo Bandeira (conhecido em Brasília como Paulinho Madrugada) ouvi sua "Teoria sobre futebol brasileiro". Brinco que o guru me salvou e nossa conversa não só consolidou meu boicote, como também me tornou um crítico ferrenho ao circo.
Vamos a ela:
Inicialmente temos no Brasil um esporte diferente do futebol praticado nos principais campeonatos do mundo. Não há como se comparar o campeonato brasileiro -- nosso grande acontecimento esportivo -- com os campeonatos de segunda divisão dos principais países europeus, quem dirá compará-lo com os campeonatos de primeira divisão.
A cada ano que passa nossos jogadores saem mais jovens do país e o que nos resta são atletas de terceira ou quarta divisão. Recebemos os craques nos finais de suas carreiras normalmente contundidos, apáticos ou apenas interessados em encerrar simbolicamente sua história no clube de coração.
A questão da qualidade de nosso futebol era apenas o preâmbulo da teoria e o grande ponto viria a seguir, quando ele me perguntou: “Por que o Flamengo, seu time, com a torcida que tem, com o potencial econômico e financeiro que tem, não é campeão de tudo que participa?”
Fazia sentido. Como é que o time com a maior torcida do mundo não estava também entre os melhores times do mundo?
Depois de um pouco pensar, respondi que isso ocorria porque quem administra (e administrou durante sua história) o Flamengo normalmente é corrupto, incompetente ou as duas coisas.
“Cheque-mate”, ele respondeu.
O futebol brasileiro é gerenciado por pessoas incompetentes e corruptas. Todo ele: clubes de todas as divisões, federações e, claro, a confederação e sua seleção. A corrupção e a incompetência permeiam o futebol brasileiro e com isso, há anos, o brasileiro médio acostumou-se a conviver com ambas.
Ora, e se para nós, brasileiros, a corrupção e incompetência são tão naturais naquilo que mais amamos; naquilo que nos devotamos e conversamos durante toda a semana; naquilo que permeia nossos encontros, nossas reuniões, nossas televisões, nossos fins de semana e boa parte de nosso tempo; se a corrupção e a incompetência são naturais naquilo que entregamos tanto sentimento -- nossos clubes de futebol --, por que é que nós, brasileiros, haveríamos de nos importar com a existência de ambas nos três poderes do Estado?
Fiquei estarrecido – para usar expressão de um dos nossos símbolos máximos de corrupção e incompetência.
Com a maciça influência do futebol -- ele que nos torna referência no resto do mundo; que nos torna referência perante nosso grupo de amigos; que faz parte da formação de nossa personalidade -- nossa cultura foi construída e está sendo reforçada diariamente com a “normalidade” da incompetência e da corrupção.
Paulo foi mais além: ele acredita -- haja vista o enorme investimento feito pelo estado por meio da Caixa -- que essa ideia do circo corrupto e incompetente é compreendida por nossos governantes e, por isso, muito estimulada.
Eu não duvido.
Hoje, ao ler os documentos revelados pelo Estadão que mostram como a CBF “vende” a seleção brasileira (veja AQUI), reafirmei a minha convicção de que tomei a decisão correta perante o futebol brasileiro.
Convido você brasileiro a também refletir sobre o assunto.
Gabriel Cardoso
Charge do Lancenet