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Sobre o direito de ir e vir


“Sobre o direito de ir e vir” ou “que país é esse?”

Você quer ir ao trabalho e usar o transporte público só que não pode: os ônibus e metrôs são extremamente lotados (sentar é impossível, entrar é um desafio e permanecer em pé é uma luta) e também não possuem regularidade de horário nem a frequência esperada; as estações/paradas são mal conservadas e raras as vezes cumprem o seu papel. Embarcar, além de ir à parada/estação e voltar delas, é uma atividade arriscada e onde ocorrem quase todas as modalidades de furto e roubo conhecidas no planeta.

Então você lembra que tem um carro (que se você tivesse comprado em qualquer outro país do mundo teria pago um quarto do valor) e decide usá-lo, mas fica difícil porque o congestionamento no trânsito toma no mínimo duas horas do seu dia (e uns bons litros da gasolina que está a R$ 3,54 o litro). Quando chegar ao destino, descobrirá que não há vagas e que o flanelinha cobra “dés real antecipado” para parar o seu carro em fila dupla e movimentá-lo em sua ausência. Ao voltar, você rezará para que o carro ainda exista – de preferência com rádio e estepe intactos – e para que o flanelinha já não tenha ido embora. Somado a isso, você fica paranoico todas as vezes que entra e sai do carro, porque assistiu que sequestro relâmpago é um dos crimes mais frequentes onde mora -- você até conhece algumas pessoas que foram sequestradas -- e normalmente as vítimas, além de terem o carro e pertencem roubados, correm risco de morte.

É claro que você muda de ideia e decide ir de taxi, mas ato contínuo lembra que não tem renda suficiente para utilizar esse modal e que se você o utilizasse apenas para ir e voltar do trabalho, precisaria exercer o ofício 25 horas por dia para arcar com os gastos. Lembra que um pessoal inovador criou um tal aplicativo chamado Ubber que oferece um serviço de transporte privado em veículos três vezes melhor que os utilizados pelos taxistas -- e por um terço do valor --, mas aí te contam que os pelegos de sindicatos manobram para barrar o aplicativo no país e que tem até político dizendo que, pasme, a inovação acabará com milhares de vagas de emprego.

Daí que você já está atrasado para o trabalho e então decide pegar sua bicicleta (agora vai!), mas te alertam que incorrerá no risco de ser roubado ou furtado; são quadrilhas especializadas nesse tipo de crime, você leu no jornal, e vários conhecidos já tiveram suas bicicletas levadas. Constata, ainda, que aquela ciclovia prometida pelos últimos dez candidatos ao governo de seu estado não foi construída, que você precisará pedalar nas vias de rolagem e que ali a maioria não sabe que bicicleta também é um veículo e por isso não irá respeitar as distâncias mínimas de segurança; claro que ainda correrá o risco de ser fechado por um motorista enfurecido ou fatalmente atropelado por um motorista bêbado (que já teve a carteira de motorista caçada por ter atropelado outro ciclista há um ano atrás).

Enfim você decide ir a pé para o trabalho, mas aí se lembra...

Gabriel Cardoso

Charge: chargesdodenny.blogspot.com

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