Segundo o relatório ESG Radar 2023 (Infosys), os investimentos em ESG nas empresas devem chegar a U$ 53 trilhões até o ano de 2025 em todo o mundo, confirmando que os holofotes continuarão direcionados à temática, mais especificamente ao E (meio ambiente) e ao G (governança). O E por motivos óbvios: nós estamos em emergência climática e atrasados no seu enfrentamento. O G, especialmente no Brasil, ganhou notoriedade com o caso da Americanas: parece que a cozinha não estava tão arrumada como se imaginava.
E o S, de social? Muito se falou dele nos últimos dois anos, mas agora não mais. Parece que o 'novo normal' da pandemia não se realizou e o S ainda assumiu um papel coadjuvante na orquestra das três letrinhas.
Nesse furacão que o tema ESG se transformou desde 2020, o S chegou ao Brasil um pouco descontextualizado. O desenho do modelo foi feito 'top-down', ou seja: do hemisfério norte para cá. Por priorizar o contexto europeu e norte-americano, a pauta S no Brasil tem muito espaço para evoluir sua atuação, considerando nossas mazelas sociais específicas. Aqui no país, sabemos que as questões sociais são particularmente abundantes e prementes, carregando características muito peculiares que se complexificam com a variedade cultural e nossa vasta dimensão continental.
Alguns dos principais problemas sociais brasileiros vão além das políticas e relações com trabalhadores ou com sindicatos, por exemplo. Além deles, que naturalmente são importantes, precisamos incluir no pacote BraSileiro elementos que reflitam e que avaliem a contribuição mais ativa das empresas em questões como direitos humanos individuais e coletivos não respeitados, convivência com povos originários, cuidado a populações vulneráveis (física, econômica, social e culturalmente) em territórios de atuação; paz e justiça; combate a desigualdades de acesso; e eliminação da pobreza multidimensional (a privação das capacidades básicas de um indivíduo).
Um grande empresa poderia pensar, por exemplo, no impacto negativo do deslocamento diário de sua força de trabalho, que ocupa cerca de 1/6 do tempo de vida do colaborador, dentro de transportes públicos caóticos e sub-humanos? Ou pensar na condição de insegurança que seus colaboradores e familiares são vítimas ou estão expostos em alguns dos bairros mais violentos e populosos do país? E o que falar da expectativa cada vez maior da população de que empresas assumam protagonismo no enfrentamento de questões socioambientais das comunidades que atuam?
Mas até aqui falamos apenas de ESG que é, basicamente, "como" as empresas fazem o que fazem. Diferentemente de impacto que é o resultado de "o quê" as empresas fazem. Podemos, por exemplo, ter uma empresa classificada nos mais altos padrões de ESG que vende cigarro. Se por um lado seu "como" é excelente, seu "o quê" gera resultados sociais negativos. Mais com menos é igual a menos, lembra? Também podemos ter uma empresa que faz um "o quê" muito positivo, como educação básica. Porém, hipoteticamente, ela faria o seu "como" participando de um cartel, precarizando o trabalho docente e poluindo seu bairro. Mais com menos é igual a menos de novo.
O que o tempo presente tem pedido com cada vez mais urgência e o que o futuro tratará como obrigatoriedade são empresas que atendam todos os seus stakeholders, gerando impacto socioambiental positivo líquido (o quê) e fazendo isso de uma forma positiva (ESG, como). Há exemplos da busca por esse caminho, inclusive no Brasil, em que a empresa produz um relatório de lucros e perdas que integra não somente os resultados financeiros, mas também o impacto de sua atuação nas dimensões ambiental, social e humana. É o "como" e o "o quê", integrados: mais com mais é igual a mais.
Essa jornada não é simples e nem fácil, especialmente no caso dos aspectos S. Empresas ainda têm dificuldade para produzir dados padronizados, relevantes, confiáveis e consistentes sobre o impacto social gerado. Enquanto o E (meio ambiente) evoluiu nesse aspecto nos últimos dez anos, criando bases cada vez mais consistentes de padronização, tangibilização e até precificação, como no exemplo do carbono nos mostra, não podemos dizer a mesma coisa do S que ainda patina para a produção de dados válidos, relevantes, consistentes, confiáveis, comparáveis e tempestivos que transmitam resultados sociais capazes de apoiar melhores decisões.
E como produzir dados melhores de impacto social? Tem muita gente boa neste momento na busca de respostas para a pergunta. Vou me arriscar e compartilhar três pontos que entendo prioritários no aperfeiçoamento da maturidade analítica do impacto social que, se bem-feitos, podem aumentar a visibilidade e atratividade para os aspectos S, no ESG e no impacto das empresas brasileiras:
Padronização:
É possível padronizar a multidimensionalidade humana? Creio que não. Dados sociais são naturalmente diversificados, complexos e por vezes repletos de elementos e aspectos subjetivos e qualitativos. É então que cada empresa, ONG ou empreendedor decide mensurar seu impacto social de uma forma que faça sentido para sua operação e seus objetivos. Tais dados podem se tornar incomparáveis, não-confiáveis e de baixo valor para aplicação em padrões públicos, modelos financeiros e/ou estatísticos de auxílio à decisão. O caminho aqui talvez seja na direção da consolidação de um mínimo denominador comum do impacto social; o nosso bê-á-bá. Ou seja: uma taxonomia qualificada e validada por atores de diversos setores da sociedade e que recorte desafios públicos prioritários por espaço e tempo, servindo de base para decisões, seja de investidores, de gestores públicos, de empresários e de líderes sociais.
Quantificação:
Ao se padronizar e classificar os dados de impacto social das empresas, faz-se necessário então mensurá-los. Atribui-se a Einstein a frase de que 'nem tudo que conta é contável e nem tudo que é contável, conta'. É uma joia da sabedoria! Contudo, no campo de impacto social, é urgente que os dados mais relevantes sejam quantificáveis e às vezes precificados para que o S possa ser então alçado à categoria de atenção que o E e G têm atualmente. Atenção: não é excluir o aspecto qualitativo e subjetivo da vida humana -- o mais importante --, e sim aumentar o espaço do aspecto quantitativo na discussão.
Divulgação:
O que se divulga e por que se divulga podem ser melhorados. Para ampliar a atenção em torno do S, deve-se fazer um esforço consciente na mudança da visão que a materialidade tem hoje. Geralmente focada em riscos, a matriz de materialidade deveria se expandir e desdobrar em uma complementar, que poderia se chamar matriz de materialidade de impacto positivo. Ela responderia perguntas como: Quais os impactos sociais são gerados pela operação da empresa em seus quatro públicos (clientes, colaboradores, comunidade e fornecedores)? Que resultados sociais podem ser gerados a partir da inovação social e do intraempreendedorismo social? Quais investimentos sociais são feitos pela empresa de forma continuada a causas públicas? Como a empresa se posiciona em dilemas sociais de suas regiões? Uma mudança na divulgação ajudaria investidores ESG e investidores de impacto a direcionar capital para empresas que gerassem e comprovassem seu duplo retorno: financeiro e social.
Toda essa reflexão de impacto socioambiental e ESG -- e do S, em especial -- não deveria se restringir a grandes empresas. Pequenas e médias poderia adequar esses princípios de acordo com suas operações mais enxutas. Empreendedores também poderiam iniciar suas atividades com a bússola ESG norteando uma parte de seus esforços e na busca por explorar dados sobre o impacto social que geram, positivo e negativo, em vez de esperar pelas agências de classificação ou definidores de padrões para só então se adaptarem. Não custa lembrar que empresas têm sua própria responsabilidade fiduciária e deveriam agir proativamente: é o que se espera de todas que se posicionam como inovadoras.
Sem as três letrinhas em harmonia o ESG não funciona; somente a partir da visão integrada e sistêmica das três frentes que as políticas de ESG podem gerar os benefícios esperados e contribuir, de alguma maneira, para o futuro mais sustentável que trabalhamos.
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